sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O Natal da minha infância





Hoje é este o meu Presépio, quem sabe um dia desenrolarei as peças antigas que me acompanharam na infância e adolescência e  o volte a "armar".

Durante a minha infância não me lembro de ouvir falar no Pai Natal e de árvores de Natal lembro-me, que tinha uma minúscula  com bolinhas de vidro à qual não se dava grande importância. Foi só nos anos 70 que  as árvores de Natal viraram moda.

No entanto  o Presépio era sempre feito e preparado com antecedência.

Mais ou menos duas semanas antes do Natal começávamos a fazer a recolha  dos materiais que íamos usar para simular uma Belém há mil e tal anos atrás.
No pinhal apanhávamos o  musgo, à carpintaria próxima íamos buscar a serradura, na serra de S. Bráz apanhávamos murta e urze, e as cearas plantadas em vasos de barro no dia 8 de Dezembro cresciam no escuro  esperando ter lugar de destaque na aldeia que se preparava para nascer.
Quando a recolha estava completa, desencaixotávamos as imagens que estavam guardadas, devidamente enroladas em papel de jornal dentro de uma arca juntamente com as cortiças que usávamos  para fazer  a cabana do Menino Jesus e simular montes e montanhas.
Presépio era montado em cima dessa arca.
Era uma tarefa demorada mas feita com enorme prazer e cuidado nos pormenores, todas as profissões estavam presentes, não faltavam lagos e ribeiros que eram feitos com as pratas dos chocolates que eu comia e a minha mãe ia guardando ao longo do ano, os tempos eram outros, tudo se aproveitava. Os lagos tinham patinhos e peixinhos, simulavam-se fogueiras com papel celofane vermelho amarrotado, pintávamos no papel craft que servia de pano de fundo ao Presépio pormenores com pigmentos comprados nas drogarias, nuvens, estrelas folhagem, etc. Em suma puxávamos bastante pela imaginação para recriar uma aldeia com 1960 e tal anos de idade.
Ceia e o Almoço de Natal eram sempre em minha casa, pois havia um Menino Jesus na Família, a minha Mãe fazia anos nesse dia.

A 22, 23 de Dezembro, de comboio vindo do Porto, chegava com o meu tio João um enorme bacalhau que era posto de molho em enormes alguidares de barro, também o grão que o acompanhava era demolhado com antecedência.

Na véspera de Natal a azáfama era grande, pela manhã chegava a couve flor e as ameijoas trazidos pelo meu avó paterno, o doce fino  vinha de Lagos, com os tios e as primas. A carne para acompanhar as ameijoas era posta a marinar bem cedo. A tia Cândida amassava as empanadilhas e tendia, ninguém as dispensava e fazia melhor que ela a tia Bia fritava, hoje sou eu que cumpro a tradição com o V. e na companhia da minha amiga Nazaré.
A salada de frutas temperada com vinho do Porto era feita quase à hora para não oxidar. A avó Raquel fazia as fatias douradas, e as laranjinhas da China habilidosamente esculpidas pela minha mãe, eram exigência de toda a família. Arroz doce, chouriço de chocolate ( em minha casa é o nome que damos ao salame de chocolate) e bolos vários compunham o resto da ementa.

Toda a casa era decorada com fitas brilhantes e farfalhudas e cheia de bolas multicolores de formas e feitios vários. Havia azevinho, urze e murta dentro de jarras e jarrões, já de noite e pouco antes de chegar o resto da família acendiam-se as velas que alumiavam o Presépio.

A ceia começava por volta das 21h  e prolongava-se noite fora.
Entre estórias e conversas a  loiça era lavada a cozinha arrumada e a mesa de novo preparada  para receber o almoço do dia seguinte.
Antes de irmos para a cama, pequenas e graúdos descalçavam um sapato e colocavam-no à chaminé pois era neles que o Menino Jesus  deixava os presentes que fariam  as nossas delícias na manhã do dia seguinte.

Anos mais tarde a tradição inverteu-se para que todos  pudessem viver a alegria das "piquenas" (tudo se passava em minha casa mas só eu, os meus pais e primas lá dormíamos) os meus tios e avós acabavam por nunca ver a reacção das meninas.
Assim, depois do jantar lavava-se a loiça arrumava-se a cozinha e todos iam colocar um sapato à chaminé.
À vez, e sem que as meninas dessem conta, da casa de jantar saía alguém que lá ia colocar os presentes, os que ficavam falavam alto para que as moças não se apercebessem das movimentações no corredor e na cozinha, chegada a hora alguém dava umas batidas na mesa ou no chão e .... fazia-se silêncio... depois, alguém perguntava:
Será que Ele já chegou?
Numa louca correria apesar do  receio  lá íamos espreitar.... e os gritos de alegria e manifestações de júbilo respondiam à pergunta!

As fitas, os papeis e os gritos animavam a festa e alguns dos presentes recebidos serviam para prolongar a noite dos adultos. Lembro-me do ano em que recebi de presente  o "MIKADO". A minha mãe e tios fizeram uma directa jogando toda a noite, eram terríveis aqueles três manos, piores que as crianças hehehehe.

Hoje o meu Natal já não tem esse encanto, faltam as crianças que aguardo esperando que não demorem muitos anos a chegar.

Somos cada vez menos à mesa, a morte levou uns e o casamento outros. É com enorme saudade que recordo os meus Natais da Infância.

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