quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Empanadilhas
As empanadilhas são o doce Natalício com presença assídua nas mesas algarvias na minha família quem as fazia com mestria era a tia Cândida.
A farinha e o fermento comprava a tia Bia na Panificação onde trabalhava, já a trazia pesada pois lá em casa não havia balança, a manteiga, a canela, a banha e o açúcar eram comprados avulso e pesados da mercearia do Sr.Guerreiro, as batatas doce eram sempre de Aljezur e compradas na praça, bem como as laranjas, a aguardente era o meu avô e mais tarde o meu pai que arranjava.
No dia 23 de manhã a tia Cândida cozia as batatas que ralava no passe-vite depois de cozidas e que levava ao fogo com o açúcar e a canela para obter o recheio que aguardava até à noite altura em que se fazia a massa.
Num alguidar de barro enorme deitava-se a farinha, com a ponta dos dedos desfazia-se o fermento de padeiro, juntava-se a banha e a manteiga ambas à temperatura ambiente, misturava-se tudo muito bem, para aromatizar a massa juntava-se um cálice de aguardente e o sumo das laranjas, e começava-se a amassar, aos poucos e se necessário juntava-se um pouco de chá de erva doce estrelada ainda morno, e amassava-se, amassava-se e sovava-se até se obter uma massa leve e macia.
Depois de bem amassada formava-se uma bola que se enfarinhava e enquanto se fazia uma cruz dizia-se uma reza para que a massa crescesse, infelizmente dessa parte não me recordo a última vez que a tia Cândida fez empanadilhas tinha eu 8 anos.
De seguida tapava-se o alguidar com um pano branco e envolvia-se tudo numa manta, este embrulho era colocado perto da braseira a levedar. Enquanto esperávamos que a massa levedasse jogávamos Quino ( bingo), marcávamos os cartões com feijões e a tia Bia ou a Odete cantavam: 4, os patinhos (22), 35, 42, o bruto (90).... Linha.... Quino!!!! era uma festa.
Mais ou menos duas horas depois e com muito cuidado espreitava-se a massa para ver se tinha crescido, a ladainha tinha sortido efeito, estava na hora de a estender.
Em cima da grossa mesa de madeira da cozinha estendia-se um grande pano branc, uma tábua enorme saltava para cima da mesa a tia Cândida com a sua mestria e de rolo da massa na mão começava a estender a massa que devia ficar bem fina, ela conseguia estender tiras de massa suficientemente grandes para de um só vez fazer 5 ou 6 empanadilhas, em cima da fina massa colocava colheradas de doce e cobri-o, de seguida calcava-a ligeiramente com os dedos junto ao recheio e com a rosquilha de madeira fazia pequenas meias luas que transferia com muito cuidado para o pano enfarinhado.
A massa era retirada do alguidar em pequenas quantidades e este era mantido sempre embrulhado para que a massa não baixasse.
Entretanto à socapa eu ia roubando com os dedos pequenos pedaços de doce, quando era apanhada, apanhava um ralhete.
Quando a quantidade de empanadilhas estava prestes a preencher todo o pano, a tia Bia misturava num pequeno alguidar uma generosa quantidade de açúcar e canela, colocava o azeite numa frigideira ao fogo ( ainda me lembro quando eram fritas num fogareiro a petróleo, mais tarde substituído por um fogão a gás, não esquecer que estávamos numa casa humilde no início dos anos 60) numa mesa ao lado do fogão estendia-se o papel manteiga que iria absorver o excesso de azeite da fritura.
Depois de bem escorridas eram passada pelo açúcar e pela canela e iam novamente para dentro de um alguidar enorme à espera da Consoada.
Depois da morte da tia Cândida a tia Bia ainda fez uma ou duas vezes para que a tradição se mantivesse, mas a idade também já era avançada e as forças não eram suficientes para tamanha empreitada. Seguiu-se a minha mãe que também experimentou fazer mas como o tempo não era muito, até Abril de 74 trabalhava-se na véspera de Natal, deixou de as fazer e passou a comprar a uma vizinha que as vendia. Depois de casar passei a ter na mesa as empanadilhas da sogra e da avó do marido, anos mais tarde e já sem a mãe para ajudar, a minha sogra passou a requisitar os meus filhos para ajudá-la e eles faziam-no com prazer. Há meia dúzia de anos e vendo que a minha sogra já lhe custava muito fazê-las resolvi ser eu a continuar a tradição. O problema foi arranjar a receita pois pelo que pude apurar esta nunca fora escrita e a memória já falhava nas quantidades o que para mim, apesar de ter visto fazer, era um pormenor que me tinha escapado. Perguntei à mãe, à sogra, à prima, à vizinha e acabei compondo a minha receita que por sinal acabou por resultar em pleno.
Este post está muito longo mas não consegui ou não quis ser mais sucinta, para terminar resta-me acrescentar que faço estes doces com imenso prazer e faço questão de manter a tradição, nesta empreitada tenho sempre a companhia do meu marido que também gosta de as fazer, também ele recorda desta forma a sua infância e a noite que antecedia a da Consoada. Eu própria acabei criando uma tradição ao convidar a minha amiga N. a vir cá a casa colocar-se ao meu lado a fazer as suas empanadilhas.
Espero que os meus filhos um dia continuem a tradição familiar e partilhem a noite de 23 com amigos e família para poderem passar este legado.
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Também já as fiz, vamos ver se logo à noite ainda resta alguma!
ResponderEliminarFeliz Natal!
e as quantidades? não encontrei!
ResponderEliminarpodes publicar, por favor?
obrigado.
António
De: António
ResponderEliminarPara: Ana
Seria possível enviar-me as quantidades, por favor?
Obrigada
António